Desde que deixei a sala, os ruídos
dentro dela me acompanham pelo corredor. Continuo ouvindo o riso dos meninos,
um riso feito para mexer comigo, um riso um tanto forçado e de tal
sorte desnecessário que tornou-se engraçada a intenção
deles e, por assim ser, o riso reinventou-se forte, gótico, hilariante.
Ainda na sala, a audição
ao vivo desse riso era compartilhada, vivida, já no corredor o riso
se torna eco de memória, lembrança a ser fotografada para
futuras reminiscências ("ah!... aquele dia em que vocês riram
tanto...").
Ri-me um pouco também, um
riso silencioso, apenas denotado no espelho do quarto que, quando flagrado,
tornou-se um riso de mim mesmo, o riso do meu riso, tornado sardônico
quando feito público, assim dessa maneira.
Repentinamente se apossa de mim um
sentimento de saudade.
Uma saudade mórbida, chorosa.
Saudade do presente, desse exato, desse referente, dessa coisa que quero
eternizada, ecoando a cada instante de meus momentos mais soltos.
Devo vive-los enquanto ainda resta
alguma facilidade no riso dos meninos, enquanto ainda riem comigo de minhas
estórias mentirosas e de minhas performances burlescas.
"Uma vez, quando viajava por todos
os mares...." ... "havia um príncipe árabe que tinha um reino..."
... "... assim aprendi, com o maior cuca do mundo, a cozinhar essas maravilhas..."
... "...vocês sabiam que existem números mágicos para
fazer crianças dormirem?..." ... "... respeitável público!!!..."
... "... façam qualquer pergunta: eu sei todas as respostas!..."
... "... agora vou cantar essa música em árabe!..." ...
Não ouço mais o riso
dos meninos.
Acho que adormeceram.