Maria e a casa que Rugia


 

Na casa de Maria, tudo rugia. Aspergia o tempo pelas paredes, dependurando retratos voluntários de parentes desbotados e sorria lembrando lembranças que não eram suas, mas de histórias que lhe contavam.


Rugia a porta do quarto de Sofia, quase nunca tanto aberta desde a sua morte precipitada, leito aberto, ainda desgrenhado pela correria. Rugia o relógio descabelado, que a todos espantava por ainda marcar as horas, de certa forma certas, enquanto todos rugiam ao redor da mesa, que a rugia pelo peso dos punhos, que rugiam exigindo o repasto, que rugia sobre o fogo de lenha, que crepitava e rugia.


Adoradores de flores se adiantavam ao jardim, para colher cores para adornar o canto de Sofia, que ninguém ocupava e, por isso, também rugia.
Nas tardias gotas da noite, tom sobre tom de luz e penumbra, rugia Maria com seu homem, que também rugia.


Depois o vento, as janelas, as cortinas, o balé nos olhos de Maria, que não mais dormia, apenas respirava ao lado, apenas auscultava tudo, apenas intuía o mundo, que não mais rugia, era só silêncio.


 
 
 

Vito Cesar


 
 
 

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