Mixagem Literária
(crônica de adeus)
     
     
          "Farpas, farpas.... apenas farpas.... Saio dessa facilzinho... Quem pensa que é o quê, nesse equinócio de gente burra que, de certa forma, me afeta até os ovos?"...
           


    Pensei eu assim a noite inteira, depois daquele banho de cuia (falta água nessa cidade ameaçada) que me deixou feliz e com lembranças mornas da infância, quando tomava banho de cuia pela necessidade.

    Depois da cuia – o banho – aclarei mais as idéias, revi papéis que jaziam incandescentes sobre a mesa e os fui amarrotando, amarrotando, com prazer orgástico.

    Pensei: Bolas! São meus amigos e, afinal, nada na vida é tão rude assim que impeça que aceitemos nossos amigos exatamente do jeitão que eles são: eles mesmos.

    Fiquei feliz comigo e imaginei coisas de alegrar.

    Escrevi num rascunho coisinhas bonitas para dizer a todos, copidesquei frases prontas de autores nobres, consagrados, pertinentes ao tema da amizade, fucei livros velhos e tossi como um condenado com seu pó, desenhei flores de próprio punho, já que flores escaneadas, decalcadas, seriam um insulto à sensibilidade de todos e que, de certa forma, meu risco rasgado e mal proporcionado lhes daria um pouco de mim, algo do carinho que me consumia repentinamente... aqueles otários!

    Ah!... meus amigos!... Como é tolo esse momento de constatação. Nos tornamos vulneráveis ao primeiro choro por qualquer coisa, viajamos em maioneses as mais sutis e desembocamos num palavrório sem sentido, que nada diz da coisa interna que nos impulsiona uns aos outros.

    Vasculhei meus arquivos e ri muito de tantas e tantas palavras soltas, de tantos e tantos versos loucos, de zilhões de sandices que escrevi a eles, tentando cutucá-los e fustiga-los ao debate mais acalorado, pois o calor das coisas vivas reverbera o íntimo e aquece o coração.

    Mas que bobagem foi essa, a nos ditar normas de afastamento?

    Que direito é esse de desamigar-mo-nos tão facilmente?

    Percorri os labirintos da rede ao encalço de todos e de cada um. Não encontrei ninguém, ou melhor, os encontrei a todos mas sem corpo, lenitivo, tão saudosos.

    Toda discórdia pressupõe alguma concordância em algum ponto no infinito, senão tanto, estabelece a grandiosa possibilidade de coexistência entre todos os sim e todos os não da palavra, essa coisa perigosa que habita nossa mente, trafega por neurônios aparvalhados e desencarna na ponta de dedos atônitos, ávidos por um reconhecimento qualquer, um sinal, uma fagulha que repentinamente nos cruze os olhos e sensibilidade.

    Assassinaram o camarão dessa história virtual, por nada.

    Peguei o meu bonezinho, pus minha viola no saco, procurei a minha tchurma e vi que, na solidão da noite medonha, o coração ainda palpitava megabytes de sonhos.


 
 
 

Vito Cesar



 

Voltar