PRIMEIRO ATO



 

De recesso, tempo indeterminado, meu eu, todo machucado,
Em vão tenta descansar de insônias inimagináveis, de perturbações exógenas,
de desinspiração catatônica e egocentrismo descarrilado.

Tivesse eu um heterônimo, um ao menos que fosse,
para que alguma palavra doce, colorida ou sem vergonha,
viesse bailando à tona desse louco desvario,
Estaria salvo esse operário, da labuta do imaginário,
consciente e coletivo...

Mas de nada me adiantam os prozacs da alegria,
se a alma em sintonia, não afina, quer na noite, quer no dia,
se os personagens estão em greve, mesmo numa história tola e breve,
se rebelam e desatinam, ficando de mal comigo...

E o que resta, lhes afirmo, é estar à beira do abismo,
como sadomasoquista,
um pé no ar, outro na terra,
jogando o humor à guerra:
ou eu salto ou me enterro!

Mas sou fraco, lhes confesso,
mil vezes neosaldinas,
para derreter cefaléias,
pois a esperança inda ecoa,
quero derreter também as idéias,
que, daninhas, rebimbocam o cubismo,
delicado do lirismo, que é bordado
no linho reciclado do vazio,
a que me entrego.

Favas às rimas, de volta ao texto,
proscênio, luzes em resistência,
cortinas cerradas...
Com um terno cintilante,
marcação do diretor...
Em off o danúbio,
no olhar um brilho de lágrima,
nas mãos os gestos,
minha voz carregada,
encaro o público,
sem ver nada,
e respiro algo tenso,
agora, o espetáculo,
as cortinas, por favor,
uma cadeira no centro do palco,
sem efeitos cenográficos,
sem apoio do contra-regra,
com o texto decorado,
suportem bem, meus amigos,
um monólogo afiado.
 


 

Vito Cesar Fontana

     
         

 

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