As manhãs





    São lentas as manhãs sem febre.
    Descubro que meu corpo quer se despedir da razão luminosa da manhã e se entregar a qualquer delíro fácil que o comova. Luto sem muito empenho.
    As manhãs são assim: água fria de cacimba.

    Por entre luminares expressões tediosas, espreguiço o tempo de aconchego nos lençóis tristes, massacrados por um sono doente de ontem.
    Ah, manhã... porque te invento?
    Reúno as porções do meu corpo e, num golpe desanimado, levanto sobre a sustentação dos pés o tal projeto de acordar.
    Cintilâncias abrem-me a lucidez e estremeço.
    As manhãs são assim: frenesi de orgasmo latente.

    O telefone, o monitor, a mesa desalinhada de idéias pela metade, retratos moles de lances episódicos, textos, textos, textos... a chave da casa, a maromba de 2 kg, textos, textos, textos ... um filme cubano na quina da mesa, bandinha de pife de Vitalino, guardando horizontes de parede, textos, textos, textos... camisas de meia sobre os banquinhos...
    As manhãs são assim: inventário...

    São jovens, as manhãs de sol a pino.
    Canções no rádio anunciam que o dia será mais um.
    Procuro a indumentária do dia : quero hoje a fantasia de ser outro, um outro qualquer que não eu, mais leve e limpo, lembrado de tarefas novas, solucionando pendências velhas, olhando o mundo como se fosse o primeiro novo mundo avistado da história... respirar o primeiro ar, caminhar o primeiro passo, enxergar nos passantes qualquer nova esperança e sorrir.
    As manhãs são assim: verdecências...








Vito Cesar

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