Noites





Sigo noites pelas ruas, sou deserto.
Meu ponto certo é tão vago quanto visões de algum futuro, e sigo perto, estremece-me o corpo, pois um coração arredio ali se esconde e me cobre de arrepios, como quando nada vejo no espio aberto do mundo.
Sigo pessoas e as deixo pensar que as sigo, seguindo assim meu próprio passo, que sendo assim é só meu, mas que compartilho.
Sou incerto como um brilho repentino que corre nas vitrines passo imperceptível, impossível estar ali eu nem estando, mas passando como as diferentes águas de um mesmo rio que banha o intruso para se tornar filosofia, sigo noites porque as tenho dentro.
Sou esperto e me iludo com o veludo de fechar os olhos no vento morno que vem do mar, fingindo ser calmaria, a tempestade primal que a noite encanta com lendas de adornar crianças.
Sou a natureza bestial da besta que vive em mim, muda e silenciosamente branca, assim como devem ser todas as encarnações do eu profundo... Eu quero mundo, no tamanho que me cabe...
Sigo noites porque me foge o sono e o sono é o alimento do sonho e o sonho é apenas uma verdade que ainda não fiz.
Sou um processo em andamento, um paradigma , uma causa, um efeito, uma dor e uma faca que corta o escuro do escuro e faz jorrar o sangue da noite, com suas estrelas, sobre o princípio onde tudo se inicia.
Sigo noites pois procuro mulheres e sua graça, suas garras, pois tenho paixão por elas e me embriago delas, com suas tolices, com seus cheiros... Sou a doença da paixão delas e as amo como o açúcar e o sal de cada gozo e cada lágrima, no etéreo que vem delas e a elas, e somente a elas, dedico o pedaço de mim que é narciso e mesmo assim ainda é belo.
Sigo noites porque me escondo e assim sendo exponho o todo, o tudo, o puro, esse pequeno mundo que viaja cada segundo do meu peito e me deleito com esse fato , aqui dentro, pois ninguém sabe...e riem assim mesmo...
Não sou quem penetra, sou só quem sacia, sem ser poeta, sendo só poesia, sou quem destempera toda alegria...
Sou um, apenas um, como eu, que caminha pelo mundo, com esse passo meu e por onde sigo estradas de outros.
Sigo noites como a não querer mais manhãs, onde nada vejo e tenho medo...Fico nu em pelo...
Sigo noites por pura insônia, a insônia dos alucinados, da sina dos leprosos, sigo noites pois elas são vazias e encerram seus pequenos mistérios e segredos...
Sou a descoberta da procura, o impossível da aventura, aquele que hoje não mas amanhã sempre...
A santidade da loucura...e todos me vêem com uma propriedade que somente eles vêem e passo, no pisco do olho, pelo seu mundo morno e confortável, sendo uma distração qualquer que entorpece a rotina , por segundos...
Sou quase nada no mundo, sou eu, só o defeito congênito, amorfo, difícil como uma mancha, marcado por um deus de terras em que nem mesmo existo... E rasgo o ventre daquela que me deu em parto difícil, a esse mesmo mundo e que morreu para que eu tivesse vida... Chupo seus peitos imaginários nesse hoje de lembranças, na busca do mel e do sangue que me alimente o corpo e me faça um eu diferente, desalucinado, mas ainda assim, suficientemente louco para tornar possível o não à dor de não ser feliz.
Sigo noites quando não há perdão, quando não há luar sobre os homens, quando tudo parece estar por um fio de aço que se estende ao infinito, tudo assim ... Perdido e mesmo assim ainda lindo. "Nothing is real" assim, for ever...
Sou um conduto de coisas que se espalham por todos os sentidos e navegam a noite, enganando o dia, encantando a farra, procurando a guia, encarnando a fala de todos os que dizem o que não podiam, enxugando a lágrima de quem pensa e chora por pensar que chora sua fantasia, sou alguém que fica, alguém que ninguém lembra, pois o tempo passa...
O tempo sempre e apenasmente passa...




Vito Cesar

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