NATAL VERDE

 
 

Natalindo era assim chamado porque sua mãe era naturalmente uma coruja, e o pimpolho deu mesmo de nascer no mesmo dia do menino jesus, 25 de dezembro.

Era pobre também, como aquele (pelo menos é o que nos conta a bíblia, e literatura é só literatura, igual ao cinema de hoje, filme é só filme...), mas tinha uns olhos buliçosos que a tudo procurava com avidez, e as primeiras coisas que vira ao nascer, além das caras horríveis do médico e das enfermeiras, sujas de sangue e envoltas em panos, foi uma masseratti verde musgo metálica estacionada em frente ao posto de saúde no qual se fizera o parto. O moleque não chorou e aquela imagem daquele automóvel
brilhando ao sol chamou-lhe a atenção e ficou-lhe para sempre como pano de fundo em sua mente. Fez várias terapias , de regressão inclusive, mas nunca soube de onde vinha aquela imagem.
O dono parara por ali para arrumar um pneu e decidiu entrar para lavar as mãos. Ao ver, porém, a criança que acabara de nascer, apiedou-se e fez um juramento:  - queria ajudar àquela família e àquela criança, e como era muito rico (para ter uma masseratti é preciso ser muito rico mesmo)  iria garantir o futuro do pimpolho. Jurou. Sumiu. Durou uns quarenta e cinco anos. 

Natalindo, gerente de uma loja de uma rede de supermercados, 
ganhando um salário que lhe dava certo conforto, em certa noite 
ao final do expediente, foi convidado por um homem vestido de terno preto, que se apresentara como procurador para visitar a mansão Blafulls no dia seguinte. 

Lá foi, e supresa, o dono era o filho daquele magnata que lhe fizera a promessa no passado. Depois de um quarto de hora de papo (rico é apressado, pois tempo é dinheiro e eles não gostam de gastar nem um nem outro) veio a proposta. Natalindo deveria assinar um documento, escrito em inglês (ele como gerente não queria ficar por baixo e disse que sabia da língua, e até arriscou algumas coisas, verbo to be, bom dia, boa noite etc) que dizia ser ele o proprietário de tudo o que lhe havia deixado o velho senhor, já falecido, contudo, "conditio sine qua non" teria de abdicar em nome dos proprietários da mansão Blafulls de seu patrimônio pessoal adquirido até então para poder assenhorar-se definitivamente da herança. 

Ele pensou um pouco e concluiu: - "ora, eu tenho um gol bolinha do ano passado, uma casa de dois quartos, minha bicicleta, meu computador, um celular, uma tv de 29 polegadas, um micro-ondas, um vídeo-game, meu filho de três anos e a mãe dele...hum! não é muito comparando-se com a fortuna prometida. - "Tá bom, eu assino." 
Entregou o documento assinado para o rapaz, que aliás estava muito bem vestido, diga-se de passagem, e soube que dali a quatro dias receberia grande notícia. 

Foi para casa e só contou para a mulher no outro dia no final da tarde (era um sábado e ele queria assistir o jogo do palmeiras).
Ela, desconfiada, fez um muxoxo com o canto da boca e ele ficou furioso, ora bolas, tudo estava para mudar (o time dele perdeu a partida), e ela nem aí? Vá ser mal agradecida assim lá longe! 

Na terça-feira um carro parou em frente a sua casa e levou-o para uma sala da interpol no prédio da polícia federal. Estava preso como sendo interceptador de carros roubados e envolvido com tráfico de drogas internacional e lavagem de dinheiro. 
Sua assinatura, seu nome, seus bens todos arrolados em documentação apresentada. Prisão sumária. Na mesma sala o prefeito da cidade, dois deputados federais, alguns vereadores e
empresários. 
As penas variavam de seis a vinte e cinco anos de reclusão, mas
os que tinham imunidade parlamentar e ocupavam cargos públicos teriam direito a habeas corpus e poderiam depois de dois anos cumprir prisão no regime semi-aberto. O advogado que o estado forneceu para a defesa de Natalino pediu-lhe seu relógio, seu anel e a correntinha de ouro como adiantamento para a causa. 
Na saída disse-lhe também que sua mulher estava sendo encaminhada para a penitenciária feminina como cúmplice e aonde aguardaria o julgamento e que a guarda de seu filho seria entregue a uma instituição do estado.
No outro dia encontaram-no enforcado na cela. Disseram que não suportou saber que seu time havia perdido o campeonato mundial de futebol para uma agremiação inglesa.
Santino, hoje com vinte e um anos de idade, filho do falecido Natalindo, é lavador de carros contratado pela importadora de carros masseratti "Machinas Parma" e também torce para o verdão.
 

in "Contos imediatos"
de Volmer de Recife

 
Volmer de Recife
Volmer de Recife
Voltar