De repente parou, observou o contorno dos olhos e filosofou sobre a inexorabilidade do tempo e de sua relatividade. Quando presta-se atenção ao tempo e aguarda-se algo, cada minuto parece uma eternidade. Mas, quando distraímos, nos damos conta e às vezes já se passaram dez, vinte anos.
Ela encarou-se de novo no espelho e pensou em como tinha andado distraída. Ainda outro dia olhara-se no espelho e tinha vinte anos e, hoje, o rosto de uma mulher de quarenta a contemplava. Imediatamente transformou os esgares ensandecidos numa máscara calma e tranqüila. Deu um sorriso benigno para si mesma e pensou em como aquele sorriso era perfeito para um comercial de margarina ou de fraldas descartáveis... Só estava faltando o olhar canino: resignado, compreensivo e amoroso. Pronto! Estava perfeito. "_ Que grande atriz o mundo está perdendo..."- pensou. Nem mesmo o mais experiente psiquiatra perceberia, por detrás daquele rosto bondoso, tranqüilo e forjadamente tolo, o leve brilho irônico e desequilibrado da louca do espelho. Passou um tônico no nariz avermelhado e pensou que precisava dormir, ou então, no final do mês, estaria com umas oito ou nove rugas a mais e ela não estava disposta a assemelhar-se a um maracujá de gaveta aos quarenta. Foi para o quarto e deitou-se. Apagou a luz e nada. Tornou a acender a luz e, embora já fosse terça-feira, resolveu dar uma olhadinha no intocado jornal de domingo, para chamar o sono. As denúncias de mordomias e safardagens perpetradas pela classe dominante, em confronto com a foto de um velho aposentado, com o rosto ensangüentado, por participar de manifestação pelo reajuste de pensões, deixou-a consternada e triste.
Pegou então o caderno de Economia e, imediatamente, lembrou-se da imoral taxa de juros, de quase 12%, cobrada pelo seu cartão de crédito e, de que se parcelasse o pagamento do abundante, fútil e supérfluo material escolar pedido pelo colégio das crianças, fatalmente entraria num buraco negro de dívidas impagáveis. Foi na gaveta, pegou alguns volantes de jogo e, olhando aquelas dezenas de números, sentiu-se inteiramente despreparada para marcar os números vencedores. Então, pegou o seu pêndulo de cristal como quem pega uma bóia salva-vidas.
Depois de mais de uma hora, o pêndulo indeciso, insistindo em apontar-lhe uma infinidade de números, ao invés dos desejados, sentiu que a claridade da manhã penetrava em seu quarto, pelas frestas da veneziana. Estava amanhecendo e suas pálpebras estavam ficando pesadas, pesadas... Colocou no gravador a fita de relaxamento, apagou a luz do abajur, colocou a máscara de dormir, deitou-se de bruços e adormeceu com a certeza de que aquela noite de insônia tinha-lhe deixado, pelo menos, uma ruga a mais na encadernação da sua vida.
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