Suicídio ou porre?

              de Eliane Stoducto



    A manhã tinha sido particularmente difícil e, agora, eu estava ali, sentada num banco do Largo do Machado, pensando no que iria fazer de minha vida. Só havia uma perspectiva possível sobre o que fazer no momento - ir para casa ver televisão ... Os pelos se eriçaram e um calafrio me percorreu a coluna diante desta possibilidade...

    Meu cérebro começou a contorcer-se à procura de alternativas mais agradáveis. De todas as idéias executáveis no momento, só restaram duas que possuíam algum atrativo: suicídio imediato ou andar dois quarteirões, até o Café e Bar Lamas e tomar um porre descomunal.

    O suicídio apresentava certas vantagens, pois eu sabia, que no dia seguinte, não iria ter que me defrontar com o assustador incômodo de uma horrenda ressaca... O Tonopan e o Ormigrein tinham acabado... Valium, depois que mandara meu analista à merda, nem pensar... Suicídio ou porre? Porre ou suicídio? O que fazer?

    Subitamente, sons de buzinas enlouquecidas, me arrancaram das profundezas do debate interno. Olhei a minha volta. Eram 18,30 hs e o congestionamento da Rua das Laranjeiras já atingira o Largo. Dois garotos andrajosos e despossuídos, que as pessoas politicamente incorretas denominam de pivetes, arrancaram a bolsa de uma senhora e saíram correndo debaixo de gritos de "- Pega ladrão!".

    Um outro despossuído e sem-teto, isto é, um mendigo, deitado num canteiro, grunhiu algo e escarrou próximo a mim.
    Senti algumas gotículas daquela excreção insalubre respingarem no meu pé, mas continuei imóvel, olhando fixamente para o lado oposto, como se estivesse muito preocupada com outra coisa que não fossem aqueles nojentos respingos de escarro no meu pé e, dramaticamente, decidi: SUICÍDIO! NOW!

    Levantei-me e lancei um olhar em torno para ver, se entre centenas de camelôs, encontrava algum que vendesse algo que me ajudasse a levar a cabo minha inexorável decisão. Precisava de lâminas de barbear!

    Não as tinha em casa pois, há dois anos, tinha resolvido aderir à nova tendência da moda natural e deixara crescer livremente todos os pelos do corpo. As axilas inclusive, o que me valera algumas gozações de amigos mais caretas, que passaram a me chamar de Baby, mas isso já é outra história.
    Minha urgência, no momento, era conseguir adquirir as tão preciosas lâminas para poder concretizar minha inabalável decisão.

    Pesquisando com o olhar entre a centena de ambulantes, finalmente avistei um, que vendia as tais lâminas. Aproximei-me e pedi um pacotinho e, ao pegá-lo, - decepção! - descobri tratar-se de lâminas duplas, G2.

    - Não tem gilete azul? perguntei ao ambulante, que me olhou como se eu fosse um ET.

    - Essas lâminas são ótimas, moça! Uma faz tchan, outra faz tchun!

    - Você não tem lâminas inglesas?

    Ele me olhou estranhamente e eu me apressei em pagar e sair rapidamente dali, guardando o inútil pacotinho na bolsa. Olhei em torno desesperançada. O tráfego tinha piorado e o som das buzinas misturava-se ao dos arrancos dos ônibus do ponto final . O ar estava irrespirável com a fumaça dos veículos...
    Nisto, senti atrás de mim, um leve toque no ombro.

    - Pronto! - pensei, desolada - o mendigo ...

    Fui virando lentamente o rosto por cima do ombro, imaginando o que me aguardaria agora....

    - Zuca! - quase gritei, entre surpresa, aliviada e encantada.

    Zuca tinha sido meu quase namorado na época da faculdade e, desde que voltara do exílio, não voltara a vê-lo.

    - Que prazeeeeeeeeeeer! exclamamos mutuamente.

    Abraços efusivos e calorosos, beijos de "bico" e decisão de comprarmos umas "cervas" no boteco mais próximo e irmos até lá em casa para botar o papo, com oito anos de atraso, em dia.

    As lâminas foram utilíssimas! Usadas para uma depilação completa, no cheiroso banho de espuma que tomei, enquanto Zuca botava as cervejas no congelador, escolhia uns discos, olhava o Parque Guinle e o topo do Palácio das Laranjeiras e se familiarizava com o terraço da minha pequena cobertura...







Eliane Stoducto

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