E agora?

              de Stela Fonseca



    Naquela segunda-feira a sua habitual e sempre relaxante caminhada era quase um se arrastar. Nem a beleza generosa daquele mar imenso, cheio de verão e sol conseguia tirá-la do torpor. Pensava no que ocorrera no dia anterior. Por que tudo havia acontecido daquele jeito? Por que tantas reações inesperadas? O que ela precisava aprender com tudo aquilo? Por que aquela sensação de perda? O que significava para ela aqueles sentimentos vividos de forma tão intensa, tão doida, tão real? Cadê a mulher equilibrada, segura, resolvida? Como se deixara envolver daquele jeito? Por que aquele desconforto? Voltou para o dia anterior.

    No decorrer do domingo ela estivera inquieta, passara o dia inteiro pensando nele. No aniversário em família fez até pose para a nova foto que, naquele momento, decidiu, enviaria para ele. Seu coração pulsava forte, estava cheia de expectativas, de ternura, de desejos. O que vou fazer? Será que vai dar certo? Será que vai ser bom para mim? Preciso me acalmar, pensava. Vou ouvir Vivaldi. Ah, Vivaldi! Traga-me a calma plasticidade da sua e tanto minha Four Seasons. A música toma o seu corpo, mente e ela viaja, relaxa. Esta decidida: vai se encontrar com ele – Vou viver este sentimento, esta emoção, vou soltar as amarras, destruir paradigmas, vou me deixar levar. Sem coragem a vida não se faz - disse cheia de certeza.

    Será que estou bem naquele retrato que lhe mandei logo que nos conhecemos? E se ele não me achar bonita, sedutora, atraente? Espero que ele não pense que sou a Brunet, nem que vai se encontrar com o seu tipo idealizado de mulher. Mas que tanta besteira, que insegurança é essa mulher? Estou lhe desconhecendo, diz ralhando consigo mesma. Ah deixa para lá! Lembra-se do que, entre muitos risos, havia dito a ele: - não tenho nada em especial, exceto o fato de que o gozo, o espermatozóide e o óvulo dos quais sou resultado, só terem gerado uma única pessoa, eu mesma. Sou educada, meiga, amiga, brisa leve, furacão, ainda desperto paixões e dizem que tesões.

    Acalme-se, disse para si mesma, tentando convencer a sua inquieta mente. Vai ser bonito esse encontro, vai ser bonito viver o primeiro beijo, o toque, a boca, a primeira carícia.... Meu Deus! E se ele só gostar de seios pequenos? Bobo ele se gosta de seios pequenos, os meus são melhores para ele lamber, sugar, mamar, sonhar. Deixe-me ver como estou, pensa, enquanto se vê refletida no espelho. Precisando de alguns retoques... precisando de alguns retoques... diz para si mesma, enquanto passa delicadamente a mão sobre seu colo, seios, braços, barriga, sexo, pernas. Macia, você mulher! Sorri confiante lembrando o que lhe dissera a sua sobrinha de 5 anos ao lhe fazer um carinho: "titia, você é tão lisinha".

    Mas ela não entendia porque continuava inquieta e insegura. Relaxe, disse para si mesma. Por que essa preocupação com o corpo? Você não é só isso, esqueceu? Ele vai gostar de você, sei que vai. Ele disse que gosta de você, tantas vezes. Além de tudo, você é tão amiga, tão amante, tão mulher, tão doce Vocês já conversaram tanto... já são íntimos. Mas, será que é isso mesmo que está lhe incomodando? E se tudo der certo, como vai ser? Ele é casado e tem filhos...Meus Deus!! Isso é correto? Está certo? Será que ficarei com sentimento de culpa? Droga!! A calma há pouco estabelecida foi embora com Vivaldi. Escolheu Wagner e as suas Valquírias para ajudá-la naquela batalha. Preciso ter bom senso, clareza. Vou conversar com meu Tarô, vou ouvir minha alma, minha, essência, sempre recebo amorosa orientação.

    Incenso, canto gregoriano, visualização criativa, respiração, meditação... Ela consegue se acalmar. Estava confiante, sentia-se linda e sem culpas. Ele vai te adorar... ele já lhe disse isso tantas vezes, sorriu feliz. Sem música. Só a sua respiração. Agora ela quer silêncio e em silêncio toma seu banho, visualizando a cachoeira, tão sua, cuja água corre pelo seu corpo levando insegurança, intranqüilidade, medo. Quer ficar pura, "pura de azulecer". Jogou sobre o corpo a infusão que havia preparado pela manhã: pétalas de rosa com cravo da índia. Saiu do banho Iluminada. Vestiu-se como merecia um encontro especial. Tudo pronto: ar condicionado gostosamente frio, Dizzy Gillespie interpretando Blue & Sentimental, PC ligado, duplo click, conexão ok. Estava na rede.

    Emoção ver aquele nick. Seu coração pulsava forte, a alegria tomava-lhe toda, lhe iluminava. Vou marcar o nosso encontro para segunda-feira da próxima semana, decidiu em quase êxtase. – Boa noite querido! Oi! Cheguei querido... Queridooo! Demora, silêncio espanto... Tinha outro nick entre os dois. Caiu no vazio da linha, livre queda. Parou perplexa em frente a pequena tela onde ficou um quadro, dos tantos pintados no fazer-se da vida.

    A manhã está lindíssima e hoje é um novo dia. Respira fundo, e conclui: - isso tudo foi um jogo virtual...coisas da Net, da Inter... da Internet. Da próxima vez, sorri lembrando o que disse o poeta: "usarei uma personagem, assim, não doerá em mim qualquer perda".

    Longa, a caminhada desta manhã. Liga a secretaria eletrônica e uma voz, sua muito conhecida, sussurra: - Bom dia, meu amor! Estarei chegando ai, hoje às 18:00 no vôo AA341. Conversaremos sobre o que ocorreu ontem. Te amo.






Stela Fonseca

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