Na poesia, por causa da contradição implícita do fazer poético - já que o poeta sempre é
obrigado a dizer algo sobre alguma coisa, embora, na verdade, o que ele pretende transmitir é sempre
diverso daquilo sobre o qual escreve - há um trabalho de criação incrível...
Imaginemos, por exemplo, alguma coisa bem simples. Figure-se que o escritor esteja querendo
transmitir, por hipótese, um sentimento de auto-destruição de que está acometido por alguma razão.
Em prosa, por certo - embora ele possa dizer isso de muitas formas diferentes, é claro - sempre
essas maneiras diversas, segundo o estilo de cada um, estarão exprimindo a mesma idéia...
Assim, ele poderia dizer simplesmente que tais ou quais experiências humanas nos levam a
desejar o próprio aniquilamento. Ou que o sofrimento humano atinge tais proporções que somos
obrigados a considerar a hipótese de suicídio e assim por diante...
Como o poeta transportaria essa sensação para o poema? Impossível responder a tal pergunta...Cada poeta irá procurar, segundo a sua maneira de ser e de estar diante do mundo e da vida, as palavras adequadas a sugerir que ele está tendo uma experiência de auto-destruição.
A lição do grande poeta Mallarmé ao pintor Degas no sentido de que o poema se faz com palavras e não com idéias foi mesmo fundamental porque mostrou essa verdade elementar de que a poesia constitui um "plus" em relação à prosa.
Vieram-me tais idéias à cabeça não pela minha vontade - nunca realizada - de escrever um ensaio sobre essa matéria. Pensei nisso pela simples e boa razão de que, na vida, muito amiúde acontece conosco algo semelhante à contraposição prosa/poesia.
Queremos transmitir a alguém, por exemplo, a idéia de que estamos muito,
mas muito magoados. Há "n" formas de dizê-lo ou de demonstrar, efetivamente, que nos encontramos
nesse estado. Podemos chorar, talvez, entregarmo-nos a um mutismo doloroso e sem fim e mil
outras coisas.
É claro que a mensagem, explícita ou implicitamente, chegará ao seu destinatário. Mas, será
que é realmente só isso que queremos? Se for só isso, não há mais nada para dizer ou refletir.
É como se disséssemos, em prosa: "Estou magoado!" e pronto.
Suponha-se, no entanto, que a nossa mágoa seja de outro calibre e que não estejamos
preocupados em fazer com que esse mesmo alguém perceba simplesmente isso, mas sim que
compreenda a nossa absoluta impossibilidade de nos sentirmos de outro modo ou de sermos de
outra forma que não aquela com que nos estamos apresentando...
Como fazer para que esse alguém capte, ainda que num relance, o nosso desespero mudo ou a
vontade infinita de nos libertarmos de sentir tudo aquilo que não gostaríamos de estar sentindo, mas
que não podemos porque é mais forte do que nós?
A total impossibilidade de traduzir essa nossa realidade mais profunda, irredutível a qualquer
outra coisa - porque a realidade de um ser humano nunca será exatamente igual à de outro - começa a sair dos domínios da simples prosa para penetrar nos dramáticos caminhos da poesia...
Assemelha-se, de certo modo, à contradição do exercício poético a que me referi acima.
Não deixa de ser, em parte, verdade. É que , no fundo, eu apenas queria dizer que se a
sociedade contemporânea tivesse plena consciência dessas coisas que venho de relatar, por certo
haveria de ter um pouco mais de respeito tanto para com os poetas como para com o seu próprio
semelhante...
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