O POETA NÃO É DE PROSA

              de Newton de Lucca



    Escrever prosa, ao contrário do que supõe muita gente, é bem mais fácil do que elaborar um poema. No caso deste, é preciso considerar, em primeiro lugar, que não existe paradigma anterior algum que possa servir de suporte ao poeta. Isto porque a experiência poética é tão peculiar e irredutível que não existe um dado sobre o qual se possa basear.

    Na poesia, por causa da contradição implícita do fazer poético - já que o poeta sempre é obrigado a dizer algo sobre alguma coisa, embora, na verdade, o que ele pretende transmitir é sempre diverso daquilo sobre o qual escreve - há um trabalho de criação incrível...

    Imaginemos, por exemplo, alguma coisa bem simples. Figure-se que o escritor esteja querendo transmitir, por hipótese, um sentimento de auto-destruição de que está acometido por alguma razão. Em prosa, por certo - embora ele possa dizer isso de muitas formas diferentes, é claro - sempre essas maneiras diversas, segundo o estilo de cada um, estarão exprimindo a mesma idéia...

    Assim, ele poderia dizer simplesmente que tais ou quais experiências humanas nos levam a desejar o próprio aniquilamento. Ou que o sofrimento humano atinge tais proporções que somos obrigados a considerar a hipótese de suicídio e assim por diante...

    Como o poeta transportaria essa sensação para o poema? Impossível responder a tal pergunta...Cada poeta irá procurar, segundo a sua maneira de ser e de estar diante do mundo e da vida, as palavras adequadas a sugerir que ele está tendo uma experiência de auto-destruição. A lição do grande poeta Mallarmé ao pintor Degas no sentido de que o poema se faz com palavras e não com idéias foi mesmo fundamental porque mostrou essa verdade elementar de que a poesia constitui um "plus" em relação à prosa.

    Vieram-me tais idéias à cabeça não pela minha vontade - nunca realizada - de escrever um ensaio sobre essa matéria. Pensei nisso pela simples e boa razão de que, na vida, muito amiúde acontece conosco algo semelhante à contraposição prosa/poesia.

    Queremos transmitir a alguém, por exemplo, a idéia de que estamos muito, mas muito magoados. Há "n" formas de dizê-lo ou de demonstrar, efetivamente, que nos encontramos nesse estado. Podemos chorar, talvez, entregarmo-nos a um mutismo doloroso e sem fim e mil outras coisas.

    É claro que a mensagem, explícita ou implicitamente, chegará ao seu destinatário. Mas, será que é realmente só isso que queremos? Se for só isso, não há mais nada para dizer ou refletir. É como se disséssemos, em prosa: "Estou magoado!" e pronto.

    Suponha-se, no entanto, que a nossa mágoa seja de outro calibre e que não estejamos preocupados em fazer com que esse mesmo alguém perceba simplesmente isso, mas sim que compreenda a nossa absoluta impossibilidade de nos sentirmos de outro modo ou de sermos de outra forma que não aquela com que nos estamos apresentando...

    Como fazer para que esse alguém capte, ainda que num relance, o nosso desespero mudo ou a vontade infinita de nos libertarmos de sentir tudo aquilo que não gostaríamos de estar sentindo, mas que não podemos porque é mais forte do que nós?

    A total impossibilidade de traduzir essa nossa realidade mais profunda, irredutível a qualquer outra coisa - porque a realidade de um ser humano nunca será exatamente igual à de outro - começa a sair dos domínios da simples prosa para penetrar nos dramáticos caminhos da poesia...

    Assemelha-se, de certo modo, à contradição do exercício poético a que me referi acima.
    Alguém poderá retrucar, talvez, alegando que não estou dizendo nada de realmente novo, que não escolhi o caminho adequado para fazê-lo e que nem sequer haveria razão, enfim, para eu escrever sobre tema tão complexo nesta minha simples crônica.

    Não deixa de ser, em parte, verdade. É que , no fundo, eu apenas queria dizer que se a sociedade contemporânea tivesse plena consciência dessas coisas que venho de relatar, por certo haveria de ter um pouco mais de respeito tanto para com os poetas como para com o seu próprio semelhante...






Newton de Lucca

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