MALOGRO DE UM ATEÍSMO OU 1ª TENTATIVA DE EXPLICAR A MINHA CONVERSÃO

              de Newton de Lucca



    Sempre considerei o ateísmo, em certo sentido, um ato de fé. Diversas causas estiveram presentes nas raízes dessa minha atitude filosófica e religiosa. Não se trata de tema para uma simples crônica, é verdade, mas poderia dizer, grosso modo, que eu nunca encontrara uma razão fundamental para crer em Deus.

    Assim como me parecia por demais primário pretender negá-Lo pela Lógica formal, também se me evidenciava muito singelo supor, pura e simplesmente, que um Ser Supremo, envolvido por inimaginável solidão, reinasse absoluto sobre um Universo acerca do qual nada sabemos. Pior : nem sequer dispomos de elementos para que possamos compará-lo com o caos anterior a ele mesmo...Se é que havia caos...

    Embora cristão pelo batismo e católico pelos outros sacramentos da Igreja Apostólica Romana, fui perdendo, no período de minha adolescência, as bases para uma autêntica fé cristã. Os livros "Porque não sou cristão", do filósofo inglês Bertrand Russel — um dos grandes pensadores do século XX —; "Malogro de uma cristandade", de Simone de Beauvoir; o pensamento de Sartre; o transcendentalismo panteísta de Fernando Pessoa, tudo isso terá contribuído, em maior ou menor grau, para o meu natural afastamento da Igreja Católica.

    Terão colaborado, igualmente, o orgulho e o clericalismo dessa Igreja que, mesmo cometendo erros sobre erros, levou quatro séculos para perceber os equívocos do Concílio de Trento, instaurando, em boa hora, l'aggiornamento do Segundo Concílio do Vaticano.

    O fato é que essa crise do nosso cristianismo acabou por gerar a crise de minha própria fé, que restou desamparada em todos os sentidos. Eu nunca tivera, por outro lado, alguma experiência religiosa que pudesse, independentemente da crise espiritual da Igreja Católica, manter-me ungido à fé cristã.

    Não cabe indagar, agora, se teriam existido muitos sinais ao longo da vida, sem que eu os tivesse percebido...Já não me preocupo mais em responder a essa indagação. Se eles existiram, é certo que eu não os identifiquei em nenhum momento...

    Uma única forma de revelação divina — se ela tivesse existido — já teria sido mais do que suficiente, é claro, para que eu mudasse o rumo das coisas...Tanto é assim que agora, mesmo depois de quase meio século de agnosticismo empedernido — mesclado com o mais autêntico ateísmo — não hesitei em rever todas as minhas concepções anteriores.

    Convenci-me, hoje, não apenas da existência de um Ser Supremo, superior a nós, a que chamamos Deus — pois sequer conseguimos imaginar as coisas sem atribuir-lhes um nome —, como também da profunda ligação desse Ser com a causa humana...

    Acredito, hoje, que Jesus Cristo não tenha sido apenas um homem extraordinário, capaz de marcar a História da Humanidade a partir de sua vinda ao mundo, mas um enviado mesmo de Deus — força superior que deu origem ao Universo e à Vida — encarregado de mostrar o valor infinito da pessoa humana quando ela se identifica e se volta inteiramente para a realidade divina...

    Não pretendo fazer, de uma simples crônica, a apologética do pensamento religioso, com o propósito de influenciar as pessoas. Isso já é outro assunto e outra há de ser a frente de batalha. Mas também não posso deixar de consignar, por outro lado, que minha conversão não se deu por acaso, como se se tratasse de aderir a algum modismo da sociedade contemporânea, pródiga na fabricação das indústrias de crenças, de que os numerosos tipos e modalidades de esoterismo são tristes exemplos.

    Resultou ela, isto sim, de uma série desconcertante de fatos que nem mesmo a paixão estatística do tempo em que vivemos — tão pródigo no gênero a ponto de ter transformado a existência humana numa mera realidade estatística — ousaria dizer que tudo não passaria de simples coincidência...

    Ora, mesmo aceitando que as coincidências existam e que não raro ocorram com freqüência quase absurda, nem por isso poderemos abdicar de, em determinado instante, nos questionarmos até aonde permaneceremos em nossa convicção de que tudo continua sendo pura obra do acaso.

    Já não sei dizer, ao certo, quantos foram esses fatos que, a partir de um determinado momento, terão perdido, para mim, a condição de meras coincidências. Mas posso assegurar que foram muitos, talvez mais de dez...Exatamente no cinqüentenário de minha existência, acabei recebendo todos aqueles testemunhos que nunca tivera ao longo de toda a vida...

    Foi como se, de repente, todas as estranhas coincidências do passado, que tanta revolta haviam gerado em mim, além de sua falta de sentido e de fundamento estatístico, começassem a recompor a imagem que ficara perdida nos turbilhões de um absurdo insondável...

    Enfim, acho que compreendi aquela resposta dada por Kierkegaard aos que apregoavam a morte de Deus : " Negar Deus não é fazer-Lhe mal; é destruir-se".

    Antes tarde do que nunca, como diz o rifão popular...





Newton de Lucca

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