QUATRO ESTRELAS

              de Bruno Kampel



    O general estava exultante, pois acabara de deixar a esposa na rodoviária, bem embarcada no ônibus para o interior, com os filhos e a empregada a tiracolo.

    Assim se fazia desde muitos anos atrás. Ela, a empregada e os filhos, iam na frente, aproveitando as férias desde o começo, usufruindo da casa de campo que tanto esforço lhe custara até convencer o marido que a comprasse. Ele - devido às suas obrigações castrenses - somente se juntaria à família duas semanas depois. E coincidentemente era isso o que ambos pensavam, ela enquanto o ônibus partia, e ele enquanto o motorista do carro oficial iniciava o retorno ao lar.

    Clarinha, esposa tradicional, como as que não se fazem mais, lamentava as duas semanas que estaria longe dele. Não tanto pelos dias, que entre uma novidade e outra correriam céleres, mas pelas noites, as quais seriam o território em que ela mais lamentaria a separação. Essas noites em que ele, nu e de quepe, brandindo a espada, dá-lhe ordens peremptórias:

    " Clarinha, de costas! Clarinha, mexe mais! Clarinha, é uma ordem! chupa, mulher, que sou o teu marido! ".

    E assim a subjugava, enquanto ela tremia de medo e prazer, de culpa e tesão.

    Onze anos assim. Vivendo os dias para esperá-lo às noites. E agora, duas semanas de abstinência total.

    Ele, general de 4 estrelas - um dos mais jovens - pensava, à medida em que o carro se aproximava da sua casa tijucana, em muitas coisas ao mesmo tempo.

    Tratava de organizar o roteiro das duas semanas sem a Clarinha, pois não gostava de nada improvisado. Afinal, não era por acaso que alcançara a quarta estrela enquanto quase todos os seus colegas de turma há muito tinham caído do cavalo, uns -aqueles com maior instinto de conservação - agarrando-se com unhas e dentes a alguma diretoria nas estatais. Outros - os carreiristas - fazendo lobby para as grandes empreiteiras, mas todos eles, sem exceção, apenas coronéis.

    Só ele conseguira alcançar o generalato. E só ele sabia o quanto isso custara. As mentiras, as traições, as promessas, os empurrões. Sim - pensou satisfeito, voltando ao presente - seria nas próximas duas semanas um general em completa disponibilidade, sem a Clarinha para lhe pedir o que ele não mais tinha vontade de lhe dar.

    Cansara, e não porque tivesse deixado de gostar dela. Não, longe disso. A culpa de tudo devia ser atribuída ao peso do hábito. Esse mesmíssimo hábito de que tanto gostava na vida militar mas que tanto o incomodava nos seus jogos eróticos.

    Bem que a Clarinha, coitada, se esforçava, aceitando sem um pio os caprichos dele. Tinha certeza que muitos homens gostariam de tê-la, e todos eles sairiam muito mais que apenas satisfeitos, pensou o general enquanto descia do carro e entrava na sua residência.

    Enquanto abria a correspondência que o esperava sobre a sua mesa de trabalho, tomou a decisão sobre a estratégia que empregaria para usufruir as duas semanas que se iniciavam.

    Sim, decidira-se. Faria o de sempre, e como sempre. Sua orgia particular, usando a parceira habitual dos últimos anos. Duas semanas de completa e total libidinagem, como das vezes anteriores.

    Passando da fase elocubratória, e entrando na etapa dos fatos concretos, chamou o seu ajudante de ordens, tenente Ari, e comunicou-lhe formalmente : " Tenente, minha esposa e meus filhos já estão a caminho do sítio. Veja de providenciar o de sempre: quero que venha a puta gostosa do ano passado. O champanhe bem gelado. O caviar iraniano. Os lençóis de cetim que lhe pedi para guardar no ano passado.

    Olha, deixo tudo em suas mãos. Quero que tudo seja como da última vez, tintim por tintim. Ah! Claro!... Providencie velas para os castiçais, e por favor não esqueça nenhum detalhe. Veja que confio no senhor e dou por descontado o seu sigilo ".

    Sim - matutou o general enquanto emitia de forma automática as ordens _ o tenente Ari era uma verdadeira mão na roda. Fora dar na sua casa recomendado pelo Almirante Braguilhão. Antes, estivera destinado no Departamento de Relações Públicas do Ministério, devido precisamente às suas dotes de diplomata.

    Com o correr dos anos, o General confiou ao tenente seus mais íntimos segredos, fazendo dele, mais que um simples ajudante de ordens, um aliado indispensável, que lhe dava cobertura logística para as suas escapadas extra-matrimoniais.

    " Quero tudo preparado às 21 horas! Compreendido, tenente?... "

    " Sim meu General! Às 21 horas estará tudo conforme aos seus desejos! "

    " Muito bem, fique à vontade. Está dispensado ".

    E assim o general, certo de que tudo estaria como ele havia decidido, foi descansar, pois sabia que tinha pela frente uma longa noite de prazer, a primeira de quatorze.

    Acordou pontualmente às 19:30. Tomou banho, perfumou-se com as colônias do Free Shop, vestiu uma calça sobre o corpo - pois não havia nada que o excitasse mais do que estar sem a roupa de baixo - e uma camisa no tom da calça. Calçou uns mocassins italianos sem meias, e, olhando-se no espelho, ficou satisfeito da imagem que este lhe devolvia, pois a vaidade era um dos seus mais prezados bens.

    Vestira-se exatamente como das outras vezes, pois gostava de repetir a cerimônia nos seus mínimos detalhes.

    Ficou caprichando no penteado, tentando domar alguns cabelos que teimavam em romper filas, até que, faltando cinco minutos para a hora, entrou no quarto. O primeiro que fez foi acariciar os lençóis de cetim num afago cheio de tesão.

    Depois, acendeu as velas dos castiçais, apagou as luzes do teto, e sentou na cama, já tenso, expectante, rígido, repassando mentalmente o roteiro: "...primeiro, chega o tenente com a bebida, a provo, ele sai, e depois ela chega e...."

    O carrilhão do grande relógio da sala bateu 9 horas, interrompendo os pensamentos do general, e numa pontualidade britânica abriu-se a porta do aposento - como planejado - e entrou o tenente, vestindo seu uniforme de gala, como o general o exigira, trazendo uma bandeja com champanhe e caviar.

    Como um verdadeiro mestre de cerimônias, abriu a garrafa, encheu a taça, colheu-a com a mão enluvada, e entregou-a ao general para que este aprovasse a escolha, como ensinam as regras de etiqueta. Bebendo suave e impacientemente, o general fez um leve gesto afirmativo balançando a cabeça, que era a senha combinada para o início da noite, e o tenente saiu, fechando a porta.

    O general então despiu-se rapidamente, e apoiando-se na espada, aguardou expectante, tenso, ansioso, o início da cerimônia. Após alguns segundos, que lhe pareceram horas, a porta abriu-se, e numa entrada apoteótica, sem mais roupa do que um gracioso par de meias pretas que, sustentadas por um não menos sensual par de ligas, lhe cobriam as longas pernas, e num andar rebolado e estudadamente sensual, quase animal, aproximou-se a Ivonette, quem fechando a porta - e sem pronunciar sequer uma palavra - chegou-se até o general, que suava de impaciência e excitação.

    Quando a aproximação da Ivonette chegou ao corpo-a-corpo, suor contra suor, agarraram-se impetuosamente, beijaram-se desesperadamente, e amaram-se louca e insaciavelmente. Durante duas semanas foram - como apenas acontece nos contos de fadas - felizes para sempre. Mas, como tudo que é bom dura pouco e termina, também os quatorze dias de liberdade do general não foram uma exceção a essa regra. Quando finalmente chegou a hora da despedida, o general, já vestindo o seu uniforme - e num gesto eloqüente que bem demonstrava o quanto tinha ficado satisfeito - presenteou a Ivonette com um relógio Rolex de ouro, que comprara na Suíça quando lá estivera verificando o estado da conta secreta na qual depositava as comissões das operações de compra de armas no exterior.

    Ivonette, em contrapartida, e num gesto que também pretendia mostrar a sua satisfação e agradecimento, ofereceu-lhe as ligas e as meias que usara nesses dias, e que ele tanto gostara.

    E fim de festa. O general em disponibilidade voltou a ser o militar em atividade, vestindo a carranca apropriada ao seu grau, e voltando a dar ordens peremptórias aos subordinados, como convém a um general de quatro estrelas.

    A Ivonette, entretanto, já despida do olhar de lascívia e da sensualidade natural que emanava do suave bamboleio de seus quadris, e com um flamante Rolex no pulso, voltou à rotina quotidiana de ser o tenente Ari, encarregado de transformar em realidade os desejos e as ordens do general de quatro estrelas.

    Este, dias depois, na primeira noite do reencontro com a Clarinha, ordenou-lhe que vestisse as meias e as ligas que ele trouxera, e ela, louca de tesão, gritou-lhe: " Sim, meu general! Sim, meu general! ", ao mesmo tempo em que fechava a porta do quarto por causa dos filhos, que ainda estavam acordados.





Bruno Kampel

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