AS FOTOGRAFIAS

              de Bruno Kampel



    Vou adiantando a você uma novidade: nossas fotos - a que mandou e a minha- dormiram juntas.

    Sim, esqueci uma sobre a outra na escrivaninha, e amanheceram no chão, ao pé da lareira, com cara de cansaço satisfeito, o sol da sua foto olhando encabulado para outro lado, o iate da minha posto a pique no fragor da luta. Os cabelos desarrumados, as roupas amarrotadas, como se vestidas às pressas quando ouviram que eu me aproximava.

    Ambas as fotos estavam fora de foco, contrariando o estado em que as deixara. Olheiras bem fundas e uma sombra de serenidade estampada nas feições dos dois.

    A cena retratava o "após" tradicional, delatando, nos pequenos detalhes, que a batalha fora longa e decisiva. Os botões arrancados, um sapato sobre a lareira, meias em cima do micro.
    E no ar, um cheiro forte de perfume, daqueles que incentivam e ativam todas as vontades.

    Ao ver a cena, lembrei: durante a noite ouvi barulhos, os quais, misturados com meu sono, me ativaram. Sim, sons conhecidos, onomatopéias que, sem necessidade de tradução, desenhavam na minha imaginação o que estava acontecendo.

    Lembro uma voz feminina declamando um poema envolvido em lágrimas e delícias, enquanto a voz do homem se perdia em sussurros suaves, incompreensíveis e excitados.

    Bem que senti que algo estava acontecendo, pois naquele estar acordado ainda que dormindo, senti-me tenso, mas como estar tenso era uma sensação que me fazia bem, deixei que o nirvana continuasse, fechando ainda mais os olhos e apurando muito mais o ouvido.

    Mesmo na escuridão do quarto, adivinhava as carícias que se trocavam na biblioteca, os beijos urgentes, os lábios prementes, os afagos candentes, o espasmo demente, o delírio eloquente.

    Quando acordei pela manhã, pensei que a sua foto havia seduzido a minha imaginação, gerando uma vontade de, um querer que, e assim fui tomar meu banho, e depois quebrar o meu jejum, e logo buscar o correio de verdade, e finalmente vim ver se tinha chegado alguma carta eletrônica.

    Foi então - como lhe disse - que encontrei as fotos no chão, ao pé da lareira, manchadas de vinho e suor.

    Por isso, antecipando-me ao dedo em riste, faço questão de informá-la que as nossas fotos dormiram juntas. E confirmar-lhe que ao vê-las, caminhei até lá e, sem demora, abaixei-me, apanhei-as, olhei-te, olhei-me... E ao imaginar o atropelo, morri de ódio do meu retrato. De raiva do meu retrato. De inveja do meu retrato...





Bruno Kampel

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