DIÁRIO DA ESPERANÇA
 

                   de Issi


 
Odeio domingos. Fazem-me sentir boboca e isso não ajuda quem jamais madruga.
Os parques ficam entupidos de gente. Tem criança demais nos restaurantes.
Tudo custa. A TV não presta. Ninguém me liga.

Odeio dia santo. Nunca se sabe o que está funcionando. Mudam o tráfego para
a procissão. O skate toma conta. Não se encontra uma confeitaria aberta.
Ninguém me convida pro feriadão.

Odeio Ano Novo. O trânsito vira uma loucura. Fica difícil achar roupa
branca, calcinha amarela, lentilha, uma festa boa, um bêbado que não
atrapalhe. Os bares fecham cedo. Ninguém me brinda.

Odeio dias cívicos. A ordem, unida, marcha. Todas as criancinhas se vestem
de idiotinhas. Os jornaleiros somem. Não se consegue lugar no cinema. Tem
que votar. Não pode beber. Ninguém me faz continência.

Odeio dias chuvosos. As paredes escorrem. Bueiros entopem. Carros dão
caldinho. Uma multidão de gripados mata o serviço. Os ônibus fedem a
cachorro molhado. Pingo. O telefone fica mudo. Ninguém bate à porta.

Odeio  dias quentes. O ar pesa. Gostosinhos e gostosinhas ficam mais
exibidinhos. Tem muito mais pernas correndo. A pivetada invade chafariz. A
gente nunca sabe se vai chover. Os bonitões têm peito. Cerveja nenhuma é
gelada. As mesas estão atulhadas. Ninguém paga a minha conta.

Odeio dia de semana. Tem que trabalhar, assinar ponto, rubricar. Chamar
eletricista, pagar dentista, fazer esquemas. Os noticiários assustam. O
dólar dispara. O coração também.  O preço nunca é justo. A paquera recebe
ducha fria. Ninguém me propõe uma happy-hour.

Odeio dias das mães, dos pais, do índio, da secretária, do meio ambiente, do
colono, da vacina, da criança, do advogado, dos namorados, do combate ao
fumo, à AIDS, ao fascismo, dia da posse, do golpe, da paz. Odeio dias-D.

Adoro sábados. Ele vem, traz flores, prepara a janta, serve o champanhe, faz
cara de quem está feliz, me chama, me canta, me come. Diz que me ama. Eu nem ligo.


ISSI


 

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