Mariana

              de Luiz de Aquino



    Fim do dia, sol maduro ameaçando cair sobre a serra. Aristeu olhou pra lá:

    - Êta, diacho! Hora de se banhar.

    Tirou da capanga um pedaço de sabão-de-coada e desceu rumo ao poço, logo ali. Pouco depois apontava no terreiro. Tianinha, na bica, lavava dois pratos esmaltados e isso queria dizer que os meninos já tinham jantado. Aristeu assobiou, dando sinal da chegada. A mulher nem se virou.

    - Tá atravessada, muié? - perguntou.

    Nem resposta. Ele também não fez caso. Entrou na casa e os molecotes se agarraram em suas pernas, como sempre. Tirou do bornal um araticum e preveniu:

    - É pra amanhã. Hoje cês já jantô.

    E tratou de jantar, que já ia escurecer e o dia foi puxado. Esperou pela bacia de água morna para lavar os pés e nada. Foi então que observou que, desta vez, a zanga da mulher podia ser coisa mais séria que de costume. "Então não vai ser arte dos menino: só pode ser arte minha mesmo".

    Para não dar o braço a torcer, reclamou. E a resposta...

    - Se quisé vem buscá!

    ....deixou-o temeroso. Foi até a cozinha, pegou a bacia e encheu-a de água quente, temperando com água da bica. De volta cochichou para Tianinha:

    - Quando os menino durmi nóis conversa.

    A mulher nem respondeu. Cuidou do restante da arrumação e quando foi dormir Aristeu ressonava, atravessado no jirau. Aristeu fazia sempre assim: esticava atravessado na cama para que Tianinha, ao vir se deitar, o acordasse e ele não perdesse...

    Só que desta vez foi diferente. Tianinha o sacudiu bruscamente e sem falar. Aristeu foi de novo à cozinha, beber água. Aproveitou o embalo e deu uma chegadinha no terreiro. Gostava de ver o terreiro à noite. As galinhas empoleiradas na laranjeira e na goiabeira, os porcos fuçando ruidosamente, um vento gostoso vindo do mato e trazendo um cheiro que mulher nenhuma, até hoje, já pôs no cangote. "E por falar em muié, vamo vê".

    Voltou ao quarto. Sebastiana (quando discutiam ele falava assim) arrumava um lençol de chita e esbarrava no urinol. Aristeu pigarreou e esperou. Até que, impaciente com a indiferença da mulher, resolveu tirar assunto:

    - Cê ficar enfezada, vá lá. Mas num trazê nem a água de lavá meus pé, essa tá esquisita. Quê qui foi?

    Tianinha tava com sono. Respondeu simplesmente: "Mariana". E Aristeu, totalmente sem-graça, silenciosamente deitou matutando: "Quem foi o excomungado que contou?".





Luiz de Aquino

Voltar