PEDRAS

 

Aquele que nasceu destambocou no mundo e abriu um riso.

Seu olho de raio, num pisco sereno, fotografou a paisagem e viu na paragem um sol que tremia fincado no céu.
 - Salve astro mimoso! Teu jeito pomposo saúda esse escravo que veio ser bravo, nesse chão de voragens, tão grande e selvagem! A maior das palavras que tenha no peito, não busca efeito, mas rasga o tempo, abrindo passagem por dentro do vento e da tempestade, mergulha no vinco soturno do nada, e desfolha verdades! Salve, senhor do dia!

De mãos na cintura, a grande estatura daquele que nasceu fazia sombra na pedra. Esperou qualquer coisa, que se apresentasse, que saísse da moita, que caísse do céu, que voasse rasante e fosse bastante imponente, que ficasse de frente do olhar que era seu.

Num gesto de força, com uma das mãos, criou mil estrelas que foram surgindo no meio do dia. 

E nada se movia. Um assovio doente vingava distante.

Era um vento cortante que se derretia no umbral das montanhas, que ao longe se via.
 - Quem és e o que dizes! Chega-te perto! Não quero o desfecho da minha passagem, morrendo de tédio no vão do vazio! Vem que eu te vejo, se não existes, te crio!

A runa do silêncio, no bojo do tempo que se esticava, deixava aquele que nasceu na tempera da ira. Caminhou passos gigantes no meio da terra, galgou cem escarpas, nadou toda a água e um tanto de nada que havia pensado se concretizava.

Parou já cansado na busca ansiada. Sentou numa pedra e meditou.

Talvez aquele que existe lhe testasse a coragem. Talvez aquele que existe lhe quisesse provar qualquer coisa impensada, qualquer outra sabedoria ainda não forjada. Talvez aquele que existe, já não mais fosse.

Lembrou de outros mundos, seus seres estranhos, as trocas de sonhos e de faculdades, histórias que tinha gravadas na mente, momentos dolentes de felicidade.

Aquele que nasceu chorou.

Sentado na pedra, o rosto entre as mãos, não percebia que o sol no mar mergulhava.

A tintura escura da noite, apagava lentamente as cores e os contornos da distância.

Aquele que nasceu, levantando a cabeça e enxugando as lágrimas com o dorso das mãos, estancou o olhar na pedra de ouro, cravado no breu. Uma aura azulada lhe ornava os contornos e milhares de estrelas lhe faziam escolta.
 - Quem és tu, dama suave? Acaso te orgulha estar nesse topo, guardando a tristeza daquele que chora? Conta-me agora, como se fosse um segredo: Que mundo é esse que, cheio de beleza e de graça, nenhum ser habita? Que perda é essa que aquele que existe insiste em manter, como se a obra em si, de si se valesse? Onde estão as criaturas para as quais tudo isso se justifica? Nenhuma euforia sequer encontrei, nenhuma alegria, apenas deserto, apenas areias e pedras, apenas o ruído inexato do choque aleatório entre coisas banais... 

O silêncio, como dono da verdade, caiu-lhe como um peso.

Mas a alegria do sol mais voltou e viveu e aquele que nasceu mais uma vez suspirou esperança e retomou a jornada.

Procurava nos céus por seres alados, no fundo dos mares por criaturas exóticas, na superfície da terra por alguma alma gêmea, que fosse pequena ou maior entidade, que trouxesse novidades perenes, ruídos extravagantes, qualquer coisa somada à paisagem e ao tempo, um único evento ou alegoria que brindasse a existência de tudo que havia.

Mas, antes que seu olhar se fechasse, antes que mais uma vez meditasse sobre tudo e sobre nada, antes que noite mais uma vez vigiasse, avistou as cidades.

Estranhas pedras aritméticas! Canais esculpidos no chão! Amontoados de arestas verticais, monumentos solitários, sinais de antiga civilização!

Aquele que existe ainda é!

Por entre tudo, milhares de corpos que não se moviam faziam penumbra na sua euforia.

Alguns abraçados, outros com sinais de agonia, tantos largados e sem gestos, todos surpresos e inertes.

Aquele que nasceu, num respiro profundo, assoprou a poeira que tudo cobria, tentando repor um tanto de vida na tarde poente.

Nada se deu.

Nada se movia.

A força imponente de algum destempero, fora mais inclemente que a força da vida que nele existia.

Derrotado, cansado da busca, juntando os restos de sonho e esperança em que tanto ardia, aquele que nasceu, abrindo seus braços e olhando o céu, procurava o alento daquele que existe.
 - Tarde demais, meu pai... tarde demais.... 

A lua surgiu na calada. E mais nada.
 
 
 
 


 
 

Vito Cesar

 


 
 
 

Voltar