PUTAS
Desci para
a rua porque nada tinha a fazer em casa. Ou a casa estava me sufocando,
ou porque não era exatamente minha a casa, ou até porque
queria ir de encontro ao ficar isolado, imóvel, mesmo que uma vontade
soberana me ordenasse exatamente isso: fica quieto!
Quando faço
coisas assim, desobedecer uma vontade, tudo se torna absurdamente estranho,
inseguro... meus passos são mal dados, meus sentidos que sempre
cobrem a retaguarda e os flancos ficam entorpecidos e os braços
balançam ao longo do corpo de um modo inconfortável.
Ando algumas
quadras em direção à praia. O vento do mar acelera-se
quando se choca com as colunas do hotel Boa Viagem, dando assim uma impressão
de infinito àquele que ali dá uma parada e fecha os olhos.
Eu sempre
faço isso perto das colunas. Paro e fecho os olhos. Ali fico alguns
minutos, recebendo aquela energia inebriante que vem de todos os mundos
que existem além do horizonte.
Dou risadas,
imaginando coisas das arábias, das áfricas.... As putas devem
pensar: lá vem aquele cabeludo otário outra vez! No mínimo
quer que o vento penteie seus cabelos desgrenhados!
As putas
sempre vem com seus gringos tomar um táxi qualquer que ali faz parada.
Acho engraçadas,
essas putas.
Tão
jovens e com ares de grandes experiências. Na sua grande maioria
são feias, em compensação seus gringos são
horríveis.
Ah, se elas
soubessem como entendo de putas!
Ainda lembro
quando aos 16 anos cismei de ganhar uma puta na avenida beira-mar.
Vi a mulher
perambulando pelo calçadão e me aproximei.
Que dizer?
Como dizer aquilo que haveria de dizer? O instinto me ensinou a esperar,
olhar, sorrir, chamar silenciosamente, com um jeito de corpo, um sinal
particular que indicasse interesse, sei lá...
Aproximou-se
de mim lentamente e seu olhar mostrava um sorriso de quem sabia que eu,
aquele garoto bobo, ainda não tinha tido a sua primeira vez.
Seu perfume
era adocicado e enjoativo. Usava perfume demais aquela puta!
Naquela
época as putas não eram especialistas em gringos e esta me
passou a mão por trás do pescoço. Senti um arrepio
danado, comecei a tremer, queixo batendo, joelhos também... ela
sorriu largamente: - Menino bonito!
Como eu
nada dizia, pegou minha mão. Atravessamos a avenida, entramos em
ruas secundárias, a noite ia ficando mais escura, mais íntima,
já se ouvia os saltos de seus sapatos percutindo o cimento, já
não havia mais ventania e eu continuava tremendo, já se tornava
óbvio que nos aproximávamos de algum quartinho escondido
de algum lugar remoto, tudo era inevitável àquela altura,
meu coração de papel de sonho de valsa saltava desordenado
e uma vontade danada de escapar das suas mãos gritava desesperadamente
em minhas têmporas.
Sua mão
segurava a minha com carinho, com um especial jeito de dizer não
se vá, não agora.
Entramos
no quartinho, fechou-se a porta.
Indicou-me
a cama para que me sentasse.
Tirou um
cigarro da bolsa e o acendeu. Começou a andar de cá para
lá lentamente, olhando-me como quem avalia a possibilidades, estuda
a geometria de um objeto.
Senti-me
nu e sem jeito.
Sentou-se
a meu lado, aproximando sua boca do meu ouvido e dizendo num sussurro:
- Tudo que
você for fazer na vida, faz bem feito...
Deitou-se
ao meu lado, com um ar de seriedade, olhando para o teto, dando longas
tragadas no cigarro.
Naquele
momento ela era a soberana. Dona da delícia ou da frustração.
A excitação
física competia com a excitação do medo, o desejo
físico competia com o desespero e eu, frágil como uma bomba
atômica, tentava, em vão equilibrar a situação
mantendo-me neutro.
Minha demora
não a incomodava, como seu supunha. Muito ao contrário.
Parecia
servir para que ela se tornasse ainda mais dona da situação.
Levantou-se
da cama e pegou minhas mãos. Colocou-me de pé, diante dela,
reavaliando tudo outra vez com um olhar de radar.
Foi desabotoando
minha camisa lentamente, retirando-a e deixando-a cair aos nossos pés.
Depois minhas
calças... depois minha cueca... pegou-me pela mão e puxou-se
em direção ao banheiro de cortininha de plástico,
dizendo:
-
A higiene é a mãe de todos os amores, meu bem...
Sorriu,
disfarçando, ao olhar de relance meu pênis duro, pulsando
desordenadamente.
-
Calma, meu bem... tudo a seu tempo...
Me deu xampus,
sabonetes perfumados, me deu uma toalha limpinha, com a qual enxugou meu
corpo.
Na toalha
enrolado, caminhei para a cama, apavorado. O tempo de fazer as coisas se
aproximava! Chequei meu abdome, os músculos as coxas, a grossura
do braço, os cabelos molhados... sei lá o que era necessário
checar naquele momento! Eu estava inteiro e fragmentado. Eu estava ali
e a milhões de anos luz.
Despiu-se
provocadoramente na minha frente. A luz arranhava suas curvas morenas deixando
seus contornos dourados.
Havia majestade
naquele corpo, havia fartura de pontos sinuosos, ângulos absurdos.
Assim minha imaginação funcionava a favor do sonho.
Ouvi o chuveiro
molhar o chão e ricochetear seu corpo, enquanto cantava alguma coisa
que me parecia meio fora de moda:
-
" ...minha mãe bonita, me escolheu,
-
pra fazer carícias, você e eu,
-
nessa coisa antiga que tempo deu,
-
corpo e liberdade, você e eu....”
Sua voz
era afinada, curta e melodiosa. Assim meu sonho dizia, minha imaginação
aumentava.
Enrolou
os cabelos em uma toalha de rosto, o corpo em um tecido azul transparente,
como se fosse uma indiana.
Deitou-se
ao meu lado, dizendo:
-
Vamos conhecer nosso corpo? Você conhece o meu e eu conheço
o seu....
Colocou
minhas mãos sobre seus seios e suas mãos tocavam meu peito,
deslizando dedos, correndo superfícies, sua mão enlaçando
meu pênis carinhosamente... puxou meu rosto, abrindo a boca.
Bem, isso
ia ser mole! Já havia trocado inúmeros beijos molhados com
algumas namoradas!
Sua língua
penetrou minha boca sem ceromônias, perscrutando o céu da
boca, o canto dos lábios, suas mãos acarinhando tudo....
Seus seios em minhas mãos, completamente.
Toda sensação
é produto de uma imaginação fértil ou de um
sexto sentido muito apurado.
Tudo se
deu como eu havia lido no Relatório Kinsey... penetrações,
umidades, bocas viajando de pólo a pólo nos corpos...
Dentro dela
me sentia mais seguro e essa sensação de segurança
me acompanha até hoje mas mesmas circunstâncias, desabilitando
em mim toda e qualquer reflexão enganosa sobre a condição
feminina.
Exato! As
mulheres nos dão essa sensação de segurança,
como um pórtico, como a casa!
Aprendi
o seu corpo. Certamente ela aprendeu o meu.
Agora, ali
na avenida, com meus olhos fechados e com o vento alinhando meus cabelos,
senti como se o corpo da noite me recebesse na sua intimidade.
A insegurança
me abandonou e as putas... Ah! As putas! (já não se faz mais
putas como antigamente!)...
As putas
pegaram seus gringos e seus táxis.