Contando... Vito Cesar










Reflexões incertas



    Estou de saída.

    Na esquina do jogo, dados, cartas, pessoas pesadas abaixadas sobre os joelhos, um friozinho torto fazendo arestas nas minhas costas, ouço o fundo musical de um filme noir e mergulho no passo lento e sem direção que me impulsiona para qualquer lado. Norte? Sul?

    Nem sei se volto logo. Tenho um encontro não sei onde com não sei quem, numa hora qualquer. Então devo ir logo para não me atrasar.

    Não sei porque.

    De repente não tive nenhum lampejo de lembrança, de porque estaria tão apressado para esse encontro com não sei quem.

    Não quero tomar nenhuma bebida, não tenho desejos involuntários, impulsos, nem quero que passe essa sede danada que seca minha garganta.

    Acho que briguei com minha mulher. Talvez. Se eu tiver alguma mulher. Mas porque a mulher é minha? Eu nunca pedi mulher nenhuma a ninguém. Alguém me deu ? E porque briguei com ela _ se é que briguei, se eu não ligo a mínima para o que ela faz, se ela existir?

    Ando nervoso por alguma razão que nem sei mais.

    É estranho esse repentino bloqueio de ser que me assoma.

    Nunca supus alguém assim, tão repentinamente sem lembranças imediatas, sem emoções concretas. Apenas um turbilhão de nada multifacetado... os caras do jogo estão ali, planejando, argumentando, emocionando um coração bem guardado. Onde está meu coração?

    Não sei se pego um ônibus ou um táxi, ou ainda se fico aqui mesmo parado nessa esquina, esperando não sei quem chegar. E se não sei quem não vier?

    Estou tão cansado.... e não sei porque. Talvez porque eu faça algum exercício físico ou passe horas sentado em frente a uma máquina de escrever, talvez eu seja um professor, ou um jurista... quem sabe eu seja um criminoso, desses que perverteram tanto a consciência que de tudo, o nada resta? E se eu for alguém? Quer dizer um alguém especial, detentor do poder das decisões definitivas de alguma causa, de algum grande escritório, de algum time de futebol... mas porque eu deveria querer decidir, definitivamente, qualquer coisa?

    Vem por aqui, dizem-me alguns... quer dizer, será que eu pensei nisso ou li em algum livro? Porque eu não poderia ter pensado nisso? Sim...eu poderia sim...

    Não sei quem está demorando. Ou será que eu cheguei atrasado? E essa esquina está bastante parada... muito estranho... não há ninguém nas ruas além dos jogadores, de folhas de jornal que bailam.... Ou será que ninguém aparece por minha causa ?

    Será que eu afasto as pessoas? Mas que pessoas? Pessoas sem rima, sem filosofia, sem a boa palavra de ocasião? Não me lembro de conhecer pessoa nenhuma que pudesse se afastar de mim.... a bem da verdade não sei se alguém já se aproximou de mim alguma vez.... há horas em que eu gostaria de ser criança, outra vez. Mas o que será ser criança?

    Ah!... o gosto de bola no campo, correr contra o vento, chegar suado na sala de aula e comer pão-doce.... crianças gostam....a minha criança sim... Ah!... minhas calças curtas, meu corte príncipe Danilo, meu refresco de laranja....? Meu rosto rascante me acorda... barba por fazer. Sou um homem, não sou mais meu sonho, apenas um fato.

    Não sei se fico ou se vou embora. Está cedo demais para qualquer coisa, ou então tarde. Qualquer decisão será precoce ou tardia. Não sei quem não vem e tenho vontade de ir pra não sei onde, correr pelas ruas, encontrar algum beco esquecido e me agasalhar... mas porque? Não há perigos imediatos, a brisa é leve e a noite é clara, ou será que o dia já se anuncia, rasgando a madrugada?

    Não quero ouvir nada. Nem música, nem versos, nenhum som de humanidades... mas onde andará a humanidade dos sons, da música, dos versos?

    Perdi essa fatia de alguma coisa que aquece? Porque não há sentimento nenhum no meu peito, nesse momento de não sei o que ?

    Porque ninguém me impediu de sair, se é que alguém impediria a mim de fazer qualquer coisa, fosse por carinho, piedade ou humanidade...?

    Não estou com medo, ou é medo essa eletricidade que se encaixa no estômago e se alastra até a ponta dos dedos?

    Quero pensar em alguma coisa que me faça sorrir _ ou chorar _ que me carregue com alguma emoção passageira.... não.... não quero .... não conheço emoções que libertem... ou será que a liberdade é o boom na explosão das emoções?

    Alguém me abrace... ou me deixe só.... tão completamente só, que seria esse o momento maior do nada absoluto. Não quero pensar em nada, porque não há nada para pensar. Mas será que alguém conseguiria não pensar? É o nos resta quando somos solidão.

    Definitivamente não sei quem não virá _ ou já se foi.

    Gostaria de voltar para casa. Mas, onde? Onde será realmente a casa de um homem?

    E porque me afasto da esquina? Porque caminhei para a ponte? Porque olho do parapeito, o rio que passa largo, pesado e escuro?

    Sinto um grande fascínio por essa visão negra. O ruído das águas passando grossas, graves, dizendo meu nome... mas que nome será esse? Quem serei eu, afinal, que espero por não sei quem que não vem, num corpo que não sei se é meu ou de outro, alguém de verdade, que existe ou existiu num tempo qualquer?

    Porque, então, pulo agora para os braços do rio?







Vito Cesar



Voltar