Contando... Vito Cesar




O Príncipe dos Absolvidos



    ... o príncipe dos absolvidos...
    Sim! "O PRÍNCIPE DOS ABSOLVIDOS" !
    Gosto de começar um texto pelo título. Fica mais fácil, a idéia vem amadurecendo como numa gestação rápida, criando formas, cores, jeitos... Eu gosto assim.
    Bem, assim tem sido em todas as vezes em que me proponho a escrever. E esse título! Ah, que beleza de título!
    Mas esbarro numa parede inóspita. Grande título mas, e ai? Que história? Que príncipe seria esse... algum príncipe de época? Transportá-lo para os dias de hoje?... absolvidos... que tipo de absolvição?... religiosa? Criminal?...
    E que tal: "O PRÍNCIPE DOS DESVALIDOS" ?
    Não. Não seria uma boa idéia ( e até seria) mas sinto como se traísse a idéia inicial que, desde o nascimento, tivesse o destino dos prematuros de risco: a morte. Sim... a morte como pano de fundo!
    Meu príncipe será alguém que escapou da morte, quando tudo e todos lhe aplicassem alguma tragédia impossível de salvação! Mas a morte é um tema escuro.
    Isso! Escuridão... clima noir para a satisfação dos modernos ou ainda dos saudosos de movimentos culturais ancestrais... ancestrais... meu príncipe teria ancestrais de histórias dramáticas, funestas... ele mesmo poderia ser um sujeito comum, carregando a herança de maldições eternas... mas isso eu já vi em algum lugar...
    Meu príncipe absolvido seria um lutador urbano, um desses passantes que se atravessam no nosso caminho dioturnamente, aos quais não atribuímos nada, que não nos fazem falta ou ainda.... espera aí! Porque não uma história infantil? Um princepezinho encontrado no meio de um deserto... não, me parece uma idéia banal... Bolas! São tantas as possibilidades!
    Não... meu príncipe é apenas um título de texto que carece de vida, credibilidade...
    Será um cara que se esconde.
    Eu serei meu príncipe, se é que já não o era desde o princípio...
    Serei eu mesmo, escondido dessa triste figura em que me tornei.
    Devo confessar que sou um homem acovardado. Sempre fujo dos problemas por tangentes impensáveis. O confronto ideológico me causa dor física. Cólicas.
    Meu único momento de coragem é o de olhar-me no espelho várias vezes por dia. Interessante... porque será que recorro ao espelho tantas vezes ao dia?
    Tentei me enganar, imaginando ser necessário porque precisava verificar como estavam meus cabelos, hoje longos e irremediavelmente rebeldes. Convenci-me que não. Justifiquei, então, que se tratava de verificar o olhar e suas transmutações no correr do dia. Fico impressionado como o olhar muda de momento a momento, no correr do dia. Coisas do trivial e do variado nos afetam o olhar. Varia desde o olhar matutino e brilhoso, ainda bêbado da inocência do sono, até o olhar cansado do arraso da luta diária ou de algum evento extra, que nos foge da rotina e se impregna na retina. Mas não... na verdade tornou-se um cacoete neurótico.
    Necessito olhar-me no espelho para procurar minha alma a cada momento, para verificar o tempo que passa, para me aceitar da forma como me vejo, ali, cara a cara. Mas o meu príncipe necessita sua altivez imaculada.
    Não poderia ser eu mesmo, alguém em quem não confio.
    Além do mais, meu príncipe é um redentor. E redentores vem ao mundo para o sofrimento heróico, não esse sofrimentozinho vagabundo da modernidade, trauminhas de infância, ideais não alcançados... Não!
    Meu príncipe exige muito mais de mim, necessita uma causa gigantesca e de difícil conquista irreparável. Mas, em sendo assim, meu príncipe é uma fraude.
    Fecho então o arquivo. Deleto meu príncipe do pensamento.







Vito Cesar



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