TE VI



    Eu caminhava pela calçada, assim, daquele jeito, cheio de vazios no peito (essa eu tinha escutado na TV) ... como quem não quer nada, quando a vi pela primeira vez.
    Passou por mim, bem devagar, como quem fosse me dar sua atenção. Depois sorriu, me emudeceu e tanta coisa começou navegar meu coração.
    Ela falou, depois passou a sua mão pequenina nos meus cabelos de maestro ensandecido:

    - Tempo...

    Eu quis olhar e entender, seria bom poder seguir essa emoção. E se afastou, me fez correr, como quem corre atrás da hora perdida na data marcada.
    Depois sumiu, na multidão, que eu nem suspeitava ser tão sufocante assim .
    Fotografei, depois guardei, fundo no peito cada traço do seu jeito palhaço de ser .
    Ah, que olhar ... porque lembrar... ? Ela era tudo o que sempre ouvi em tantas canções.
    Seria assim, de esquecer, que a desdita da vida queria me dizer?
    Depois passou, depois curou, continuei a pensar em cada coisa devagar. Ir trabalhar, depois beber, depois dormir para a cara do mundo esquecer. Depois voltar, tudo de novo.
    Tempo passou, até sorri, de cada nova história de coisas tão banais.
    Tudo vivi, vivenciei (é até melhor dizer e pensar assim), fiz quase tudo que um homem precisa pra crescer. Me dividi e rejuntei, doei meu jeito ao mundo querendo ser feliz.
    Negociei a solidão no crediário da vida alternando prestações. Eu estudei coisas normais, lendo a bula da vida pelo lado do bandido, recortando figurinhas de cada entendimento, montando num álbum imaginário e revendo, de tempos em tempos, o que o tempo e a distância ainda deixavam de resto.
    Mais uma vez ela voltou, no meio da tarde mais querida que sonhei.
    Estava assim, tão diferente, o mesmo riso presente no meio de um rosto de sol.
    Passou por mim e me tocou, agora com uma mão de dedos mais longos, dedos de mulher. Me sussurrou algum non sense, que o juízo nem deu tempo de entender:

    - Ainda não...

    Negociei com a emoção e rejeitei o processo de correr atrás.

    Meu coração quis me matar, de tanta excitação, de tanta confusão pulando de qualquer jeito no peito ateu... Eu quis chorar, descabelar, mas a vergonha do mundo falou bem mais veloz.
    Mais uma vez desapareceu, dentro da tarde só pra coisa ficar bem pior.
    Eu outra vez deixei passar, porque certas provas a vida nos traz pra melhorar o pedigree. Tenho certeza disso.
    Voltei a ser o que programei. Metodismos, cienticismos, culturismos, monetarismos, vanguardismos, policianismos, politicagem, toda espécie de sacanagem que a natureza humana - e talvez até por sê-la - permitia... tudo liguei.
    Dei tantas voltas pra chamar minha própria atenção, que o tempo passou sem deixar rastro, minguando lembranças, batimentos cardíacos, desejos juvenis.
    Evolui – quer dizer, o termo bem se aplica se entendermos que evolução tão só significa, para certos entenderes e conveniências, movimento, deslocamento, transformação, seja lá pra onde ou pra quê.
    Evolui dentro de uma calma que jamais pensei conquistar, redescobrindo nas pegadas deixadas no caminho, valores do eu mesmo até então confiscados pelo medo.
    Medo de não dar certo, ou de dar certo demais e não saber lidar com tanto, de estar errado – o que é bastante cômodo, já que é algo esperado - de ousar, desestabilizar, transgredir.... mas errar onde ? Transgredir o quê ? Dar certo pra quê? ...
    Caminho zen mostrou o tempo.
    Caminho zen mostrou a idade.
    Já não caminhava aflito pela rua, já não olhava mais ao redor com receio ou com esperança. Estava tudo certo, como o dois e dois de Caetano.

    No desleixo de passadas sem compromisso, na rua do comércio, na avenida do tráfego, na ponte do rio, ela apareceu pela terceira vez...
    Estava solta dentro de um vestido de pano mole que dançava no balanço do corpo ... sorriu mais uma vez, claramente, resplandecente, caminhando na minha direção em slow motion... parei minhas passadas de mau jeito no cotovelo de uma esquina viva.
    E ela veio, certeira como uma bala perdida e me pegou em cheio... passou sua mão de veludo no meu rosto, me dizendo palavras sentidas:

    - Bom momento.... me dê o seu braço. Vamos passear.







Vito Cesar

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